por Patrícia Moreira Nogueira
    A nomenclatura ad limina apostolorum refere-se ao ato de retornar a Roma junto ao “túmulo dos apóstolos”. Essas visitas são uma prática muito antiga na Igreja Católica e tem por objetivo informar regularmente ao Papa sobre o estado temporal e espiritual das diversas paróquias de um mesmo bispado. Como apontou María Milagros Cárcel Ortí, “os bispos tinham clara consciência de sua obrigação de ir a Roma, mas essa se tratava de uma
observância que pouco a pouco caiu em desuso e sobre a qual faltavam instruções e normas precisas por parte da Santa Sé”.1
    Tal obrigação se evidenciou de maneira mais regrada a partir do concílio de Trento (1545-1563). Anos mais tarde, em 20 de dezembro de 1585, o Papa Sisto V restabeleceu esse antigo costume na constituição apostólica Romanus Pontifex. 2 Tendo em vista uma nova “configuração jurídica para a visita ad limina”, 3 os prelados passaram a entregar também um relatório a respeito das dioceses sob sua administração. Vale observar que esses relatórios — produzidos a partir de visitas realizadas a cada cinco anos — persistem até a atualidade de forma análoga a qual se conformaram na época moderna, e foram, no tempo que aqui interessa, muitas vezes efetuados (devido à distância) por meio de procuradores ou de cartas.
    Em relação à historiografia, tal documentação se tornou relevante a partir do século XX e podemos dividir essa “historiografia das visitas” 4 em três períodos: 1) a descoberta do material entre os anos de 1900-1930, época na qual incide a publicação integral da documentação mais antiga; 2) um momento crítico entre 1930-1960 que caracterizou o abandono do material por ser considerado muito repetitivo; 3) o período de redescoberta a
partir de 1960-1970, marcado por relevantes pesquisas e publicações nesse campo (1989). 5

    Muitos desses trabalhos assinalaram a relevância de tais fontes. Cárcel Ortí apontou, por exemplo, que a documentação permite abordar temáticas como “demografia, território, costumes, patrimônio artístico, cultura, medicina”, entre outros. 6 Os relatórios tornaram-se igualmente importantes para a compreensão da sociedade colonial, tanto na América portuguesa, quanto nos territórios espanhóis. A ação religiosa no que concerne aos escravos e aos indígenas aparece de maneira particularmente realçada em tais relatos, como se observou no trabalho de Aliocha Maldavsky sobre os relatórios de visitas ad limina peruanos durante o século XVII. 7 Tais fontes revelam, de fato, muitas informações pertinentes aos povos autóctones, além de darem conta da tentativa de enquadramento segundo os ditames canônicos e teológicos do período.
    De maneira geral, pode-se considerar a organização dessa documentação tendo em vista três aspectos centrais: uma apreciação geral das condições do bispado, seguida pela exposição das paróquias já existentes ou criadas pelo bispo e, por fim, informações acerca das missões realizadas e das ações dos clérigos no interior do bispado. Os relatórios fornecem dados sobre a história e a geografia do bispado, mencionando, por exemplo, as fronteiras que medeiam o bispado e as jurisdições vizinhas. A documentação também discorre sobre os habitantes no bispado, os homens brancos e negros e as populações indígenas que viviam naquelas localidades.

    Percebe-se, ainda, a existência de dados relativos às visitas empreendidas pelo prelado, em cidades, capitanias e vilas em todo o território. Havia um particular interesse em assinalar as paróquias que foram criadas pelo bispo, destacando-se a incansável atuação do
clero secular em tais espaços. Além disso, obtêm-se informações sobre a quantidade de missionários que atendem em tais locais, os pagamentos anuais aos clérigos de ordens religiosas e as remunerações para a manutenção dos ornamentos sacerdotais e do viático.
    Cabe observar, por fim, que há distinções linguísticas entre os relatórios de visitas ad limina, visto que foram produzidos em idiomas como português, italiano e latim. No entanto, o conteúdo e a disposição das fontes seguem contornos análogos. A diferença entre esses
documentos se dá, sobretudo, por aspectos relativos à forma, uma vez que há cartas mais breves, relatórios divididos por subtítulos ou capítulos e outros ordenados por tópicos numerados. Por outro lado, é preciso considerar que tais diferenças também se devem à origem, aos interesses e aos enquadramentos de cada prelado que redigiu determinado documento. Por conta da proficuidade de informações que dispõem, consideramos, portanto, que os relatórios são ferramentas fundamentais para os estudos sobre a materialidade das igrejas, o enquadramento tridentino e as ações do clero secular nas mais diversas localidades. 8

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Foram digitalizados em 2008 no Archivio Segreto Vaticano, graças a financiamento recebido
pelo Projeto Temático FAPESP 04/10367-0 “Dimensões do Império Português: século XVI-
XVIII” (CJC/FFLCH/USP), os relatórios de visitas ad limina dos bispados da Bahia, Congo-
Angola, Cabo Verde, Olinda, Rio de Janeiro, Mariana e Pará redigidos nos séculos XVII e
XVIII. Note-se que os relatórios referentes à diocese de Olinda foram transcritos na sua
monografia por Patrícia Moreira Nogueira e posteriormente publicados na Revista de fontes 9 .

A referência documental exata dessa documentação é a seguinte:

Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 50 (Congo Angola)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 115 (Pará)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 410 (Cabo Verde)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 489 (Mariana)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 596 (Olinda)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 712 (Salvador)
Archivio Segreto Vaticano, Congr. Concilio, Relat. Dioec., 729 (Rio de Janeiro)

 

1 ORTÍ, María Milagros Cárcel. Documentos de visita “Ad Limina” en el archivo de la Catedral de Valencia.
Estudos em homenagem ao Professor Doutor José Marques, vol. 4. Porto: Universidade do Porto, 2006. p. 51.
Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4908.pdf>. Acesso em: out. 2018. Tradução nossa.
2 BOUTRY, Philippe; VINCENT, Bernard (orgs.). Les chemins de Rome. Les visites ad limina à l’époque
moderne dans l’Europe méridionale et le monde hispano-américain. Roma: Ecole Française de Rome, 2002.
p.01.
3 ORTÍ, María Milagros Cárcel. Op. cit, 2006. p. 52. Tradução nossa.
4 BOUTRY, Philippe; VINCENT, Bernard. Op. cit. p. 03.
5 Ver, por exemplo: LLUCH, R. Robres; MAIQUES, V. Castell. La visita ad limina durante el pontificado de
Sixto V (1585-1590). Datos para una estadística general. Anthologica anua: 1959; RABISKAUSKAS, P. Visitatio
Liminum Apostolorum. Conspectus historicus, dans Relationes status diocesium in Magno Ducatu Lituniae. I-
Dioceses Vilnensis et Samogitiae. Roma: Lithuanian Catholic Academy of Sciences 1971. pp. 19-51; ORTÍ,
María Milagros Cárcel; ORTÍ, Vicente Cárcel. Historia, derecho e diplomática de la visita ad limina. Valence:
1989.

6 ORTÍ, María Milagros Cárcel. Las visitas ad limina: Propuesta de Edición. In: BOUTRY, Philippe; VINCENT,
Bernard. Op. cit., 2002. p. 15. Tradução nossa.
7 MALDAVSKY, Aliocha. Les visites ad limina des archevêques de Lima au XVII siècle. In: BOUTRY,
Philippe; VINCENT, Bernard. Op. cit. p. 226.
8 Para um aprofundamento na discussão sobre tais fontes documentais, ver: NOGUEIRA, Patrícia Moreira.
Considerações sobre os relatórios de visitas ad limina apostolorum do bispado de Pernambuco, 1680-1746: