Expansão das emendas parlamentares enfraquece o SUS e compromete a eficiência das políticas públicas
As emendas parlamentares vêm ganhando cada vez mais destaque na grande mídia, impulsionadas pela expansão acelerada desse tipo de destinação no orçamento público federal. Esse processo é marcado pela crise política e institucional que culminou no impeachment da então presidente Dilma Roussef, em 2016.
Embora a Constituição Federal de 1988 preveja a destinação de verbas públicas por meio de emendas parlamentares, essa prática é permitida apenas em situações específicas. No entanto, observa-se que, sobretudo nos últimos anos, esse mecanismo tem se desvirtuado, gerando impactos significativos na implementação das políticas públicas. O processo de flexibilização das emendas parlamentares inclui a ampliação das suas modalidades, com a imposição de execução obrigatória, a desregulamentação das transferências para estados e municípios, a redução da transparência. No âmbito do SUS, houve a ampliação das áreas de aplicação.
Um exemplo claro desse processo é o aumento da destinação de emendas parlamentares para os diferentes níveis assistenciais do SUS. Em 2019, as emendas poderiam ser direcionadas a quatro áreas de aplicação; já em 2024, esse número saltou para 17. Além disso, o volume de recursos oriundos dessas emendas também aumentou substancialmente. Dados da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES) indicam que o montante destinado pelas emendas parlamentares saltou de R$ 2,9 bilhões em 2014 para R$ 16,9 bilhões em 2022, passando de 3% para 11% do orçamento federal destinado às Ações e Serviços Públicos de Saúde.
Esse crescimento foi impulsionado por mudanças constitucionais aprovadas em 2019, que ampliaram as chamadas Emendas do Relator, popularmente conhecidas como “orçamento secreto”, e o uso das transferências especiais, que dispensam a necessidade de convênios ou contratos, conhecidas como "emendas Pix".
A pesquisa "Cartografia da Atenção Especializada no SUS", realizada pelo LASCOL/Unifesp, traçou um diagnóstico da Atenção Especializada no país, identificando problemas de acesso, qualidade dos serviços e desafios de financiamento. Em relação às emendas parlamentares, o estudo revelou que, em 2022, 9,5% das transferências federais destinadas ao custeio da área vieram de emendas, um percentual que se aproxima dos 10% destinados ao Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), responsável pelo cofinanciamento de novas ações e serviços de média e alta complexidade no SUS. Isso demonstra que as emendas parlamentares têm ocupado um papel relevante no financiamento da Atenção Especializada, disputando espaço com novas políticas e programas do SUS.
Embora exista previsão constitucional para a destinação de recursos por emendas, o processo de desregulamentação, flexibilização e crescimento dessas destinações no SUS tem enfraquecido a estrutura do sistema. Esse cenário compromete o impacto de novas políticas e programas, corrói as competências dos espaços de pactuação interfederativa e participação social, e cria novos obstáculos para a implementação dos princípios do SUS, especialmente o da equidade.
Mariana Alves Melo é economista, mestre e doutora em Saúde Pública pela USP, especialista em Gestão em Saúde pela Unifesp e membro da diretoria da ABrES (Associação Brasileira de Economia da Saúde).