Oficina nacional fez parte de pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde "Cartografia da Atenção Especializada"
Helvécio Magalhães, consultor internacional do Departamento de Serviços e Sistemas de Saúde- HSS/OPAS. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
No dia 14 de novembro houve uma grande oficina da Pesquisa “Cartografia da Atenção Especializada”, realizada no auditório da Unifesp, em São Paulo (SP). Durante a manhã, foram compartilhadas experiências e contribuições baseadas no diagnóstico da pesquisa. Já no período da tarde, pesquisadores e especialistas deram voz ao que se entende e realiza por Atenção Especializada em outros lugares do mundo.
Um Estudo com base na Literatura dos Países com Sistemas Universais de Saúde
A coordenação das apresentações e a condução da mesa de debates foi realizada pelo professor, coordenador de pesquisa do LASCOL e membro do Observatório, Cristian Guimarães. A primeira apresentação foi do professor e coordenador de pesquisa do LASCOL Luís Tofani, que trouxe os resultados preliminares do estudo “Organização da atenção ambulatorial especializada em países com sistemas universais de saúde: o que nos mostra a literatura?”.
Tendo como método a revisão integrativa de literatura, levantou-se, em renomadas bases de artigos científicos um número de 1736 registros internacionais sobre o tema da Atenção Especializada. Deste número, os participantes eliminaram artigos por critérios como avaliação de duplicidade, avaliação por títulos/resumos, e avaliação por leitura na íntegra. Ao final, selecionou-se 16 artigos, escritos em português, inglês e espanhol, que trazem em seu escopo análises de países como o Brasil, China, Alemanha, Espanha, Colômbia, Cuba, Inglaterra, Itália, Singapura e Suíça, divididos em gêneros como Estudos de Casos, Pesquisa de Avaliação e Relatos de Experiências.
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Segundo Tofani, o estudo revelou que existe “baixa produção científica sobre atenção especializada ambulatorial e que a maioria dos estudos são experiências locais ou em serviços. Grande parte das pesquisas foram realizadas em ambulatórios hospitalares e tinham como objeto principal arranjos e dispositivos de gestão do cuidado. ”
O estudo trouxe um referencial analítico nas dimensões sistêmica, organizacional e profissional. “Apesar da fragmentação, há múltiplas e diferentes composições, ou mosaicos de dispositivos e arranjos de estrutura, relacionais, gerenciais e de tecnologia de informação que buscam conexões da atenção especializada ambulatorial à rede de saúde e a transformação dos processos de trabalho e de produção do cuidado com vistas à integralidade. ” revelou Tofani sobre os principais achados. Ele também demonstrou gratidão aos participantes deste estudo bibliográfico, que são Fabiane Woyciekowski, Guilherme Salgado e Mawusi Ramos.
Uma Visão Sobre a Experiência da Itália na Atenção Ambulatorial
Após a apresentação de Tofani, o dirigente médico italiano, Ardigó Martino, do Distretto di Rimini, Ausl della Romagna, apresentou “a experiência da Itália na atenção ambulatorial especializada a saúde”, discorrendo sobre um cenário histórico de alterações políticas, combate à corrupção de prefeituras e uma organização dos Sistema Nacional de Saúde diferente da realizada no Brasil.
Segundo Ardigó, que atua no atua no Servizio Regionale Emilia Romagna, o Estado Italiano distribui os recursos aos Distritos, que são vistos como grandes regiões de saúde (Ausl), e que contam com uma governança própria que organiza, planeja e administra estes recursos. Os municípios, neste sistema, participam por meio dos prefeitos (ou seus representantes) e (onde previsto por lei e em conformidade com os estatutos municipais) pelos presidentes das circunscrições que fazem parte do distrito, dos chamados “Comitês de Distrito Sócio Sanitário”. Apesar desta participação, em que “desempenham papel de governança das políticas sociais, sócio-sanitárias e de saúde territorial da área distrital”, os municípios de fato não possuem o poder decisório sobre os recursos, os quais o Estado delega em poder dos Distritos (Ausl).
Ardigó Martino, médico italiano do Distretto di Rimini, Ausl della Romagna. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Ardigó revela, em sua exposição, sobre o crescente número de idosos, que crescem cada vez mais nas estatísticas da Itália, junto à população ativa em idade de aposentadoria, e à população ativa com performance reduzida. Este fato, além de revelar uma redução da contribuição com o Sistema Nacional de Saúde, também reflete numa maior necessidade de uso do sistema por parte das pessoas. Ardigó também expõe um desequilíbrio persistente entre demanda por serviços e oferta, o que “cria um gap que se manifesta por meio de longos tempos de espera ou até mesmo pela impossibilidade de agendamento. Considerando o grande valor político e social que o nosso SSN representa – bem como as legítimas expectativas dos cidadãos – esse hiato fere o pacto social existente e mina sua sustentabilidade simbólica, além daquela financeira, que já há algum tempo tem sido ameaçada pelas políticas de alocação adotadas na Itália”. Faltam médico especialistas e enfermeiros, segundo Ardigó.
A organização da atenção especializada nas Américas: o olhar da OPAS
A última apresentação foi de HelvécioMagalhães, Consultor Internacional do Departamento de Serviços e Sistemas de Saúde- HSS/OPAS. Ele apresentou a visão das Redes Integradas dos Serviços de Saúde sob o olhar do documento da OPAS, que existe desde 2010 e rege o cenário das Américas. Segundo Helvécio, este documento possui um foco maior na importância da Atenção Básica de Saúde. Ele concorda que, na discussão da Atenção Especializada, o foco na Atenção Básica deve ser mantido. O documento destaca a importância da medicina da família, que atende a comunidade e reforça a estruturação desta Atenção Básica, revelando uma Atenção Especializada que não deve ser acessada diretamente, mas que precisa ser conectada em integralidade.
Ardigó Martino (à esq.), Cristian Guimarães, Luís Tofani e Helvécio Magalhães. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Ele reconhece que o Brasil possui uma federação trina, em que não há diretores regionais, como na Itália e que, no Brasil, a fragmentação da saúde não se explicaria apenas sob responsabilidade da municipalização. Sobre isso, ele lança uma pergunta provocadora: “mas e a fragmentação do cuidado dentro do serviço? ” Ele conclui a importância de se retomar os conceitos de Rede para a Atenção Especializada. Ele reconhece que documento da OPAS enxerga de modo pobre a fragmentação na Atenção Especializada, definindo este problema como apenas como uma não-continuidade do cuidado. Mas ressalta que a “Atenção Especializada precisa ter compromisso territorial, assim como a Atenção Básica”. A centralidade nos médicos é também destacada comum dos grandes problemas da Atenção Especializada, pois se torna um obstáculo à visão de Redes de Saúde. O desafio maior, portanto, para a Atenção Especializada tem sido satisfazer os usuários quanto a continuidade do cuidado.
Debate sobre experiências internacionais
Um debate entre os participantes proporcionou inúmeras reflexões sobre as experiências internacionais narradas. O interesse e protagonismo o usuário foi apontado como uma necessidade. Para Marília Louvison, professora da Faculdade de Saúde Publica da USP, “as pessoas querem autogestão, saber da sua própria situação de saúde”. A professora Rosemarie Andreazza, coordenadora de pesquisa do LASCOL, complementou: “A quem interessa não conhecer a fila? Usuário tem interesse na fila. Ficar na fila, como relatado pelo Cristian, é não existir”. Ela critica o clientelismo e advoga a força do controle do usuário.
Luís Tofani também reforça a importância de dar transparência a fila do SUS e suas ações. Ele reforça que a transparência seria uma ferramenta para o agir do usuário. Entre as falas diversas, destacam-se ainda as que evocam que a Atenção Especializada precisa basear suas ações em todos os profissionais que a envolve, e não apenas ser centrada na autoridade médica. Para Elaine Giannoti, pesquisadora na área da Saúde Coletiva, a fila não deve ser “demonizada”, mas sim ser vista com análise crítica. Ela considera o tempo de atendimento na fila como verdadeiro indicador. Para Helvécio, a Regulação de Saúde se tornou arcaica a partir do momento em que não ficou a favor do usuário.
Equipe da pesquisa "Cartografia da Atenção Especializada". Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Ardigó conclui que a Atenção Básica precisa ser abordada e possuir um lugar diferente dentro da rede de saúde. Ele defende a formação do profissional para que ele tenha maior poder de gestão para o cuidado, e concorda com o processo de também conduzir os usuários na gestão do próprio cuidado. Ele defende a produção do conhecimento para formar esta gestão de cuidado mais fortalecida.
Lumena Furtado fechou o debate apontando sobre a importância de relembrar-se a essência do SUS além das formalidades técnicas e assim pensar na Regulação do Cuidado em Saúde com o olhar desta essência.
O evento encerrou com essas diversas considerações e ideias para despertar reflexões profundas sobre o cuidado em saúde, envolvendo uma visão integral, considerando o protagonismo do usuário, a integralidade em saúde envolvendo a Atenção Básica e Primária, e o fortalecimento de todos os profissionais de saúde que compõe as redes de cuidado.