Oficina nacional fez parte de pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde
Ao centro, Magnus Silva, diretor da EPM/Unifesp, durante oficina da pesquisa "Cartografia da Atenção Especializada". Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
No dia 14 de novembro, a Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) foi palco da primeira oficina para formulação de estratégias voltadas à Atenção Especializada (AE) no Sistema Único de Saúde (SUS). O encontro faz parte da pesquisa nacional "Cartografia da Atenção Especializada no SUS: Formulação, Formação e Gestão do Cuidado em Redes" e ocorreu em uma data significativa: o 91º aniversário da EPM.
O evento reuniu pesquisadores, gestores e profissionais da saúde para discutir desafios e propor soluções para a implementação da Política Nacional da Atenção Especializada (PNAE), instituída em outubro de 2023. Os debates resultaram em um conjunto de propostas que serão compiladas em um relatório técnico a ser enviado ao Ministério da Saúde.
Na abertura da oficina, Magnus Silva, diretor da EPM/Unifesp, destacou a relevância do evento e a responsabilidade da academia em transformar o conhecimento em ações concretas: “Temos muitos desafios em um país tão desigual. É preciso que esses trabalhos tenham implicações no território. A academia precisa cobrar essa incidência da pesquisa na comunidade”, afirmou.
Os principais desafios da Atenção Especializada
Os debates realizados durante a oficina destacaram desafios estruturais enfrentados pela Atenção Especializada (AE) no Brasil, com base nos achados da pesquisa nacional. Lumena Furtado, do Laboratório de Saúde Coletiva (Lascol) da Unifesp, apontou que a diversidade de arranjos regionais exige soluções que respeitem as singularidades de cada localidade: “Não existem arranjos universais que deem conta da AE no Brasil. O desafio é organizar linhas de cuidado que contemplem o diagnóstico e o tratamento de forma integrada”, afirmou.
Lumena Furtado, do Laboratório de Saúde Coletiva (Lascol) da Unifesp, debateu sobre desafios do SUS. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Entre os principais problemas levantados estão a falta de integração entre os serviços, a fragmentação dos sistemas informatizados de regulação e a falta de um fluxo eficiente para a gestão de filas. “É necessário construir arranjos regionais que orientem os investimentos e contratualizações a médio e longo prazo, considerando os vazios assistenciais e as particularidades locais”, acrescentou Furtado.
Leia mais: Novos caminhos para a Atenção Especializada no SUS e a implantação da PNAES
A questão do transporte sanitário também foi amplamente debatida, com Aparecida Pimenta, médica sanitarista e doutora em Saúde Coletiva, destacando sua relevância para a integralidade do cuidado: “Em regiões como a Amazônia,por exemplo, os serviços especializados estão concentrados nas capitais, e o acesso da população do interior depende de transporte adequado e de casas de apoio para tratamentos prolongados”, enfatizou.
As possibilidades oferecidas pela saúde digital foram apontadas como uma oportunidade para ampliar e qualificar o acesso à AE. “É preciso investimento em conexão digital para fornecer telediagnóstico e prontuários eletrônicos, com conectividade entre municípios e estados”, ressaltou Pimenta.
Aparecida Pimenta, médica sanitarista e doutora em Saúde Coletiva, refletiu propostas para a Atenção Especializada. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Outro desafio destacado foi a formação e fixação de especialistas, especialmente em cidades menores e regiões remotas, onde há escassez de profissionais qualificados. “Precisamos de uma estratégia de médio e longo prazo para formar especialistas em proporção com as necessidades da população brasileira”, observou a sanitarista.
Furtado também chamou atenção para a necessidade de avançar na equidade dentro do SUS, propondo protocolos específicos para populações vulneráveis: “Há uma necessidade de construir protocolos para atender populações específicas, como pessoas trans, indígenas e em situação de rua. A política precisa ampliar a equidade”, concluiu.
Propostas para fortalecer a Atenção Especializada no SUS
Durante a oficina, os participantes se dividiram em grupos para formular propostas em áreas específicas. Confira alguns dos pontos debatidos:
Pesquisadores discutem estratégias para a AE no Brasil. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
- Integração dos serviços
- Promover o matriciamento e a integração entre AB e AE para garantir a continuidade do cuidado.
- Inserir a AE na lógica da rede, com corresponsabilidade pela linha de cuidado.
- Implementar sistemas informatizados interoperáveis para regulação, logística de transporte e gestão de filas.
- Educação permanente
- Desenvolver estratégias de médio e longo prazo para formar especialistas de acordo com as necessidades regionais.
- Criar programas de formação continuada que contemplem gestão compartilhada, integralidade do cuidado e integração entre AE e Atenção Básica (AB).
- Envolver gestores no planejamento e execução das ações, considerando a alta rotatividade nesses cargos.
- Regionalização e gestão de filas
- Construir arranjos regionais para orientar investimentos e planejar contratualizações que cubram vazios assistenciais.
- Padronizar nomenclaturas e metodologias para garantir uniformidade na gestão das filas.
- Implementar a regulação compartilhada entre municípios, com visibilidade para trabalhadores e usuários.
- Transporte sanitário
- Estruturar uma política nacional de transporte sanitário que contemple as particularidades regionais, especialmente em áreas remotas.
- Ampliar o acesso a casas de apoio para pacientes que precisam de tratamentos prolongados.
- Equidade no cuidado
- Desenvolver protocolos específicos para atender populações em maior vulnerabilidade, como pessoas trans, indígenas e em situação de rua.
- Integração digital
- Expandir o uso da telesaúde como ferramenta para qualificação e acesso ao cuidado.
- Garantir conectividade digital entre municípios e estados.
- Investir em telediagnóstico e no uso de prontuários eletrônicos integrados.
Arthur Chioro (à esq.), Rosemarie Andreazza, Lumena Furtado e Aparecida Pimenta. Crédito: Manoel Ramos/Unifesp
Desafios estruturais e próximos passos
Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e professor do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Unifesp, destacou a complexidade da construção da PNAE e a necessidade de enfrentamento do modelo biomédico hegemônico: “Estamos construindo a PNAE em ato, enquanto lidamos com uma realidade onde a oferta privada tem papel significativo em muitos territórios. Não há como desconsiderar isso na organização da rede pública”, afirmou.
Os resultados da oficina marcam um passo importante na busca por uma Atenção Especializada mais equitativa e eficaz, reafirmando o compromisso da academia e dos gestores com a melhoria do SUS.